quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Hume e a origem das ideias


Hume utiliza o termo "perceção" para referir quaisquer conteúdos da experiência (…). As perceções ocorrem quando o indivíduo observa, sente, recorda, imagina, e assim por diante, sendo que o uso atual da palavra cobre um leque muito menos vasto de atividades mentais. Para Hume, existem dois tipos básicos de perceções: impressões e ideias.

As impressões constituem as experiências obtidas quando o indi­víduo observa, sente, ama, odeia, deseja ou tem vontade de algo. Hume descreve este tipo de perceções como sendo mais "vívido" do que as ideias, termo com que o filósofo parece querer afirmar que as impres­sões são mais claras e mais pormenorizadas do que as ideias. As ideias, por sua vez, são cópias das impressões. Trata-se dos objetos do pen­samento humano quando os indivíduos recordam a sua experiência ou exercitam a sua imaginação.

Assim sendo, neste preciso momento, por exemplo, tenho uma impressão da minha caneta a movimentar-se pela página e de ouvir alguém a virar as páginas de um livro, atrás de mim, na biblioteca. Tenho, ainda, uma impressão da textura do papel a tocar na minha mão. Estas experiências sensoriais são vívidas, visto que seria difícil conven­cer-me de que me encontro apenas a recordar experiências passadas ou a sonhar. Mais tarde, enquanto estiver a escrever estas linhas no meu computador, lembrar-me-ei, sem dúvida, deste momento e recordarei as minhas impressões. Nessa altura, estarei a ter ideias e não impres­sões, ideias que não serão marcadas pela mesma vividez (ou "vivaci­dade", para usar a terminologia de Hume) que caracteriza as impres­sões sensoriais que estou a sentir neste momento e das quais as ideias serão cópias.

Hume reformula a asserção de Locke de que não existem ideias inatas, sob a forma todas as ideias humanas são cópias de impres­sões. Por outras palavras, é impossível aos seres humanos ter uma ideia de algo que não tenha primeiro experimentado enquanto impressão.

Como lidaria, então, Hume com a capacidade de um indivíduo de imaginar uma montanha dourada embora nunca tenha visto uma e, logo, nunca tenha tido a impressão de uma? A resposta do filósofo baseia-se numa distinção entre ideias simples e complexas. As ideias simples derivam de impressões simples. Trata-se de ideias de coisas como a cor e a forma, ideias que não podem ser divididas em partes mais pequenas. As ideias complexas são combinações de ideias sim­ples. Deste modo, aquela ideia de uma montanha dourada nada mais é do que uma ideia complexa composta pelas ideias mais simples de "montanha" e de "dourado". E estas ideias simples derivam, em últi­ma análise, da experiência tida pelo indivíduo de montanhas e de objetos dourados.

A comprovação da crença de que todas as ideias humanas derivam de impressões anteriores é constituída pela proposta de que qualquer destas ideias pode, por meio da reflexão, ser decomposta em partes que a enformam, que, como se poderá depois confirmar, resultam das impressões. Mais corroboração para esta explicação resulta da obser­vação de que um homem completamente cego de nascença seria inca­paz de imaginar a cor vermelha, uma vez que nunca tinha tido impres­sões visuais dessa cor. Similarmente, e de forma mais controversa, Hume declara que uma pessoa egoísta não seria capaz de formar uma ideia do sentimento de generosidade.

No entanto, embora Hume defenda que o seu aperfeiçoamento da teoria das ideias de Locke poderá explicar a origem de qualquer ideia em particular, o filósofo assinala a existência de uma exceção a este princípio, constituída pelo tom de azul desconhecido. Alguém que tenha observado um vasto leque de tons de azul, pode nunca ter tido a impressão de certo tom em particular. Não obstante, essa pessoa pode formar uma ideia deste tom de azul desconhecido. Segundo a teoria de Hume, tal seria impossível visto esse indivíduo não possuir qualquer impressão simples à qual pudesse corresponder a ideia dessa cor. Contudo, não se revela excessivamente preocupado com este apa­rente contraexemplo, uma vez que se trata de uma situação demasia­do excecional para o levar a redefinir os seus princípios básicos em função dela.

Warburton, Nigel (2013). Grandes livros de filosofia. 2.ª ed. Lisboa: Edições 70, pp. 131-133.