domingo, 2 de fevereiro de 2014

O que torna uma ação correta? – Como funcionam os exemplos filosóficos.

[O]s exemplos que os filósofos usam destinam-se a ajudar as pessoas a pensar sobre o seu pensamento sobre uma questão. Desta forma, tais exemplos podem ajudar as pessoas a clarificar as suas opiniões. Podem também ajudá-las a ver se as suas opiniões estão bem apoiadas no seu raciocínio. E, se não estiverem, a desenvolverem esse apoio, ou a revê-las. Para vermos como os exemplos dos filósofos podem ajudar as pessoas a pensar mais claramente, veja-se este exemplo filosófico clássico:
Caso do vagão 1: Você está a trabalhar numa mina de carvão com uma galeria em forma de Y. A parte mais longa da galeria conduz à superfície. Os dois braços do Y são as galerias de onde o carvão é retirado. O carvão é retirado da mina por um vagão que é puxado por uma corrente. Infelizmente, a corrente parte-se, e o vagão cai descontroladamente pela galeria principal abaixo. Os pontos da junção dirigem de momento o vagão para a galeria direita, onde irá matar cinco mineiros que lá trabalham. No entanto, você pode mudar o vagão para a galeria esquerda, onde só matará um mineiro. (Todos os mineiros são igualmente amados pelas suas famílias, igualmente inteligentes, etc.) Moralmente, o que deveria você fazer?
Quando confrontadas com este exemplo, a maioria das pessoas diria que mudaria o vagão, com a justificação de que assim causariam menor sofrimento. Em resposta a isto, um filósofo poderia então fornecer o exemplo seguinte:
Caso do vagão 2: Você trabalha numa mina com uma única galeria que desce. Os vagões sobem e descem por esta galeria, tirando carvão da mina. A corrente que puxa um vagão parte-se, e ele cai descontrolado em direção a cinco mineiros que trabalham no fundo da galeria. Você está junto aos carris do vagão. Você é demasiado pequeno para o parar saltando para a frente dele, mas um colega seu que está junto de si é bastante grande, e se você o empurrar para a frente do vagão, impedi-lo-á de matar os cinco mineiros. Infelizmente, ao fazer isto, o seu colega morrerá. Moralmente, o que deverá você fazer?
Neste caso, a maioria das pessoas recusaria lançar outra pessoa para a frente do vagão para salvar os cinco mineiros. Mas, à primeira vista, a decisão de não lançar o colega para a frente do vagão parece estranha, dado que no Caso 1 a maioria das pessoas diria que se deveria sacrificar uma pessoa para salvar cinco. Afinal, parece que a única diferença entre o Caso 1 e o Caso 2 é que no primeiro caso estar-se-ia a atirar um vagão contra uma pessoa para salvar cinco mineiros, e no segundo, a atirar uma pessoa contra um vagão para salvar cinco mineiros. E não parece que o que for atirado para salvar cinco mineiros faça muita diferença moral, dado que em ambos os casos a ação escolhida salvaria cinco pessoas sacrificando uma.
O leitor poderá dizer que nunca será confrontado com a decisão de sacrificar uma pessoa para salvar cinco e, portanto, em vez de ser útil para defender os filósofos da acusação de que os seus exemplos não são práticos nem relevantes, o debate aqui referido apenas a confirma. Mas argumentar desta forma seria perder de vista o obje­tivo dos dois Casos do Vagão, que é o de ajudar as pessoas a clarificar o seu pensamento acerca do que torna as ações moralmente corretas. Na verdade, o leitor tem tantas probabilidades de encontrar um vagão descontrolado por uma mina abaixo como de ser atingido na cabeça por uma galinha de borracha atirada por um cavaleiro de passagem. Mas isto não impede que o facto de usar estes exemplos possa ajudar o leitor a avaliar se as suas opiniões originais sobre o que torna uma ação correta estão certas ou não. […] [O] seu pensamento acerca dos Casos do Vagão levá-lo-á a pensar acerca do seu próprio pensamento sobre o que torna correta uma ação.
Por exemplo: se começou por pensar que um ato é correto se minimizar o sofrimento (uma versão da teoria ética conhecida por «utilitarismo»), poderá ter de rever a sua opinião quando confrontado com o caso 2. Poderá ter de abandonar também esta opinião e tentar encontrar outro princípio para determinar o que torna correta uma ação, ou então poderá decidir tentar rever a sua opinião original para poder albergar a sua intuição de que não se deve empurrar pessoas para a frente de vagões, mesmo que ao fazê-lo vá salvar mais vidas. No segundo caso, poderá acabar por adotar uma versão de «utilitarismo de regra», segundo o qual um ato é correto se for conforme a uma regra geral que, quando seguida, minimizará o sofrimento. Assim, dado que a regra «não empurrar pessoas para a frente de vagões» é passível de minimizar o sofrimento, o leitor poderia modificar a sua posição utilitária original a fim de albergar o segundo caso. […] [O]s filósofos, ao construírem os seus exemplos, encorajam as pessoas tanto a pensar numa determinada questão (tal como «O que torna uma ação correta?») como a serem a assistência do seu próprio pensamento, e a pensar acerca do seu pensamento sobre esta questão.

Taylor, James (2008). Porque é que um filósofo é como um Python? Como funcionam os exemplos filosóficos. In Gary Hardcastle e George Reich (Orgs.). A Filosofia segundo Monty Python. Cruz Quebrada: Estrela Polar, pp. 218-220.