domingo, 22 de setembro de 2013

A filosofia é um estudo a priori ou concetual

Às vezes afirma-se que a filosofia nasce da reflexão que o homem faz quando se confronta com a sua própria experiência. Neste sentido, a filosofia surge precedida pelas vivências de quem filosofa. Mas a filosofia não é um estudo empírico; A filosofia é um estudo a priori ou concetual. Que quer isto dizer? Não será contraditório afirmar que a filosofia pode surgir a partir das vivências do vasto âmbito da experiência humana e, ao mesmo tempo, afirmar que a filosofia é um estudo a priori?
Vamos esclarecer esta característica da filosofia com a ajuda de exemplos.
Sabemos alguma coisa empiricamente quando o sabemos através da experiência. E sabemos algo a priori quando o conhecemos pelo pensamento apenas.
Ora, “O que é o conhecimento?”, “Qual é a origem do conhecimento?”, “Quais os limites do conhecimento?”, são problemas filosóficos relativos ao conhecimento. “Que categorias de coisas há?”, “O que é a verdade?”, “Como devemos sentir-nos em relação à morte: é uma coisa boa, uma coisa má ou uma coisa neutra?”, são problemas filosóficos relacionados com a realidade.
Logo, a “matéria-prima” dos problemas filosóficos é a relação do homem consigo mesmo e com o mundo natural, social, cultural, etc. É a sua experiência, o conjunto das suas vivências. Por isso, a origem da motivação para a atividade de reflexão filosófica pode ser empírica.
Outros exemplos: A motivação de Platão, filósofo grego do séc. V-IV a.C., para a filosofia foi, segundo ele próprio confessa, o seu desgosto pela “decadência” da sua cidade, Atenas, e as suas experiências políticas mal sucedidas… E as guerras religiosas e a crueldade da violência provocada pela intolerância religiosa poderão ter influenciado R. Descartes, filósofo francês do séc. XVII, para a investigação da possibilidade de uma ciência universal e para o orientar para as vantagens de utilizar o debate racional nas questões religiosas, e não a tortura ou a ameaça de tortura… Considerando estes exemplos, pode-se dizer que as experiências de vida destes homens os levaram a formular problemas filosóficos relativos à política, ao conhecimento, à moral e a outras áreas.
Mas os problemas da filosofia não são empíricos, são a priori ou conceptuais. Isto compreende‑se porque nada há na experiência empírica que nos permita resolver os problemas filosóficos. Os problemas filosóficos só podem resolver-se pelo pensamento, pelo debate racional das teorias propostas.
Por exemplo: Como se pode evitar ou diminuir a dor num doente com uma doença terminal? Isto é um problema empírico que pode ser objecto de investigação por parte das ciências biomédicas, que buscarão as informações relevantes para o efeito, utilizando a observação empírica e a experimentação. Mas a pergunta “Deve-se utilizar fármacos e cuidados paliativos para evitar ou diminuir a dor provocada por uma doença terminal? ” (no sentido em que não pode ter uma solução científica e/ou técnica) é uma questão filosófica cuja resolução só pode contar com o pensamento como recurso para a descobrir e justificar.
Deve-se evitar a dor com fármacos não curativos? Porquê? Deve-se gastar recursos com paliativos para casos perdidos? Porquê? As teorias argumentadas que se apresentem como soluções para estes problemas não há outro modo de as criar a não ser através da atividade conceptual ou a priori.
Portanto, não é o tema pelo qual o filósofo se interessa, relacionado com a natureza, o conhecimento, os valores, o seu próprio corpo, a religião, a arte, as ciências, a linguagem, etc., que é a priori. O que é a priori ou concetual é a própria atividade racional de resolução de problemas, pois os problemas filosóficos só pelo pensamento podem ser resolvidos.

José António Pereira
Escola Secundária de Alberto Sampaio