Às
vezes afirma-se que a filosofia nasce da reflexão que o homem faz quando se
confronta com a sua própria experiência. Neste sentido, a filosofia surge precedida pelas vivências de quem filosofa.
Mas a filosofia não é um
estudo empírico; A
filosofia é um estudo a priori ou
concetual. Que quer isto dizer? Não será contraditório afirmar que a filosofia
pode surgir a partir das vivências do vasto âmbito da experiência humana e, ao
mesmo tempo, afirmar que a filosofia é um estudo a priori?
Vamos
esclarecer esta característica da filosofia com a ajuda de exemplos.
Sabemos
alguma coisa empiricamente quando o sabemos
através da experiência. E sabemos algo a priori quando o
conhecemos pelo pensamento apenas.
Ora,
“O que é o conhecimento?”, “Qual é a origem do conhecimento?”, “Quais os
limites do conhecimento?”, são problemas filosóficos relativos ao conhecimento. “Que categorias de coisas há?”, “O que é a verdade?”,
“Como devemos sentir-nos em relação à morte: é uma coisa boa, uma coisa má ou
uma coisa neutra?”, são problemas filosóficos relacionados com a
realidade.
Logo,
a “matéria-prima” dos problemas filosóficos é a relação do homem consigo mesmo
e com o mundo natural, social, cultural, etc. É a sua experiência, o conjunto
das suas vivências. Por isso, a origem da motivação para a atividade de
reflexão filosófica pode ser empírica.
Outros
exemplos: A motivação de Platão, filósofo grego do séc. V-IV a.C., para a
filosofia foi, segundo ele próprio confessa, o seu desgosto pela “decadência”
da sua cidade, Atenas, e as suas experiências políticas mal sucedidas… E as
guerras religiosas e a crueldade da violência provocada pela intolerância
religiosa poderão ter influenciado R. Descartes, filósofo francês do séc. XVII,
para a investigação da possibilidade de uma ciência universal e para o orientar
para as vantagens de utilizar o debate racional nas questões religiosas, e não
a tortura ou a ameaça de tortura… Considerando estes exemplos, pode-se dizer
que as experiências de vida destes homens os levaram a formular problemas
filosóficos relativos à política, ao conhecimento, à moral e a outras áreas.
Mas os
problemas da filosofia não são empíricos, são a priori ou conceptuais. Isto compreende‑se porque nada há na
experiência empírica que nos permita resolver os problemas filosóficos. Os problemas filosóficos só podem
resolver-se pelo pensamento, pelo debate racional das teorias propostas.
Por
exemplo: Como se pode evitar ou diminuir a dor num doente com uma doença
terminal? Isto é um problema empírico que pode ser objecto de investigação por
parte das ciências biomédicas, que buscarão as informações relevantes para o
efeito, utilizando a observação empírica e a experimentação. Mas a pergunta
“Deve-se utilizar fármacos e cuidados paliativos para evitar ou diminuir a dor
provocada por uma doença terminal? ” (no sentido em que não pode ter uma
solução científica e/ou técnica) é uma questão filosófica cuja resolução só
pode contar com o pensamento como recurso para a descobrir e justificar.
Deve-se
evitar a dor com fármacos não curativos? Porquê? Deve-se gastar recursos com
paliativos para casos perdidos? Porquê? As teorias argumentadas que se
apresentem como soluções para estes problemas não há outro modo de as criar a
não ser através da atividade conceptual ou a
priori.
Portanto,
não é o tema pelo qual o filósofo se
interessa, relacionado com a natureza, o conhecimento, os valores, o seu
próprio corpo, a religião, a arte, as ciências, a linguagem, etc., que é a priori. O que é a priori ou concetual é a própria atividade racional de resolução
de problemas, pois os problemas filosóficos só pelo pensamento podem ser
resolvidos.
José António Pereira
Escola Secundária de Alberto Sampaio
Escola Secundária de Alberto Sampaio