O que é
ser racional? De quê ou de quem afirmamos a racionalidade? De pessoas, ações,
pensamentos, crenças? Onde podemos ir buscar uma primeira definição operacional
de racionalidade, um ponto de partida para uma investigação?
Antes de olharmos um pouco para a história do problema da
racionalidade e para o seu tratamento na literatura, procuremos nas nossas
intuições: veremos que começar pela definição
instrumental de ‘racionalidade’ é a forma natural de começar. Tendemos a
qualificar como ‘racional’ o que se passa em circunstâncias deste género:
temos um agente que crê determinadas coisas, tem determinados desejos, e que
em função dessas crenças e desejos age de forma a obter aquilo que pretende, de
forma a desencadear o estado do mundo que corresponderá à satisfação dos seus
desejos (por exemplo, alguém que espera uma mensagem importante, deseja
avidamente lê-la, crê que essa mensagem acabou de chegar, e dirige-se
imediatamente à caixa do correio para a ler). Aquilo de que estamos a falar
quando qualificamos como racional o comportamento desse agente é de uma ação apropriada a uma dada finalidade,
da seleção e mobilização de meios com
vista a um determinado fim (os fins do agente são relativos àquilo que ele
deseja, e os agentes chegam supostamente à situação de decisão já munidos de desejos).
Não chamaríamos racional ao comportamento do agente se este, esperando uma
mensagem importante, desejando avidamente lê-la, acreditando que a mensagem
acabou de chegar, em vez de se dirigir imediatamente à caixa do correio fugisse
desta a sete pés (convenhamos que isto pode perfeitamente acontecer — o
funcionamento das crenças e desejos de agentes humanos não é nada simples).
A
definição de ‘racionalidade’ que acabei de avançar é a mais consensual e comum.
Corresponde à chamada definição instrumental da racionalidade, que nos diz o
que é racionalidade na ação. A
definição instrumental pode ainda fazer referência a processos mentais
(crenças, desejos) envolvidos num processo de controlo da realidade por parte
de um ser inteligente. Se há alguma coisa quanto à qual as pessoas que falam de
racionalidade estão de acordo é a definição instrumental de racionalidade. […]
[A] racionalidade teórica é
racionalidade nas crenças. Em princípio […] as nossas crenças são racionais
se temos boas razões para as sustentar e se são fiáveis […] na forma como
representam o mundo. […] Quanto à racionalidade
prática, ela é racionalidade na ação,
e o raciocínio prático é o raciocínio que eventualmente afeta planos e
intenções do agente e resulta numa determinada decisão que conduz à ação.
[…] A questão básica da racionalidade teórica é saber em
que devemos acreditar.
[…] A questão básica da racionalidade prática é saber o que
devemos fazer.
Em ambos os domínios, racionalidade nas crenças e racionalidade na ação, há espaço para a irracionalidade:
são casos de irracionalidade, acreditar no que não temos razões para acreditar,
não acreditar no que temos razões para acreditar, não fazer o que queremos
fazer, acreditamos que devemos fazer e temos boas razões para fazer, fazer
aquilo que acreditamos que não devemos fazer […].