Conversa com
Amadeu Santos e Fabíola Lopes Moderada por António Padrão Escola Secundária de Alberto Sampaio Braga 19 de abril de 2024domingo, 28 de abril de 2024
domingo, 11 de junho de 2023
Será o livre arbítrio uma característica distintiva da condição humana?
António Padrão
«Humano(s) – ou a nova condição
humana (encontrar a relação com a essência)» é o tema que a equipa da defacto
propôs à comunidade do Agrupamento de Escolas Alberto Sampaio para reflexão,
partindo, pois, do princípio de que há uma «condição humana» (seja nova, ou
não). Mas, se há, qual é a sua característica distintiva? Até ao século XVII,
teólogos e filósofos apresentavam a alma como aquilo que distingue o ser humano
no conjunto dos seres vivos. Alguns, como Platão (c. 425 a.C.-347 a.C.) e
Descartes (1596-1650), apresentavam a alma como um princípio distinto do corpo,
assumindo assim uma conceção dualista do ser humano, mas, dadas as dificuldades
do dualismo cartesiano, o conceito de alma parece ter sido abandonado, tendo
sido substituído, a partir da época moderna, pela liberdade, pela linguagem ou
pela capacidade de aprendizagem cultural, para pensar a especificidade do
humano. Mas também por outros conceitos.
Analisando friamente as muitas tentativas de descrever alguma
parte do que é distintivo da condição humana – uso
da linguagem (Chomsky, Bennett), desejos de segunda ordem (Frankfurt),
intenções de segunda ordem (Grice), convenção (Lewis), liberdade (Kant,
Sartre), autoconsciência (Kant, Fichte, Hegel), riso e choro (Plessner),
capacidade de aprendizagem cultural (Tomasello) – ficará certamente persuadido
de que cada um deles está a identificar uma parte de um feito holístico.
(Scruton, 2017, p. 51)
O que é distintivo da condição
humana talvez seja, então, o conjunto destas características, mas quero
concentrar-me apenas na liberdade. Será a liberdade uma característica
distintiva da condição humana? Foi esta a pergunta que fiz ao ChatGPT
(OpenAI, 2023). Eis a resposta:
A liberdade é uma ideia complexa e altamente valorada na
sociedade humana, mas não é uma característica distintiva da condição humana.
Outros seres vivos também podem experimentar algum grau de liberdade, e a
liberdade individual pode ser limitada por questões sociais, políticas e
filosóficas. Além disso, a noção de liberdade é culturalmente construída e
varia amplamente entre diferentes sociedades e épocas. Portanto, é possível
argumentar que a liberdade não é uma característica intrínseca à condição
humana.
Resposta nada má, para uma
máquina, mas parece que o ChatGPT não percebeu bem a minha pergunta (um
indício de que não estamos realmente perante Inteligência Artificial [IA], ao
contrário do que tem sido abundantemente referido nos media). Não, não é
na liberdade individual, social ou política que estou a pensar como
caraterística distintiva da condição humana. Estou a pensar na liberdade da
vontade, também entendida como livre‑arbítrio. Reformulo a pergunta: Será o
livre‑arbítrio uma característica distintiva da condição humana? Desta vez,
o ChatGPT (OpenAI, 2023) parece ter percebido (na verdade, o ChatGPT
não percebe nada – a única coisa que faz é procurar no grande conjunto de dados
textuais com que é alimentado, para devolver uma resposta que nem sempre é
correta):
O livre-arbítrio é uma ideia controvertida e ainda não é
claro se é uma característica distintiva da condição humana. Por um lado,
muitas tradições filosóficas e religiosas afirmam que os seres humanos têm
livre-arbítrio, ou seja, a capacidade de tomar decisões e agir de forma
independente. Por outro lado, muitas teorias científicas, como o determinismo,
argumentam que as ações humanas são resultado de causas físicas e não são
determinadas pelo livre-arbítrio. Portanto, a questão do livre-arbítrio ainda é
objeto de debate e não é possível afirmar
categoricamente se é ou não uma característica distintiva da condição humana.
Nada má, outra vez. Para uma
máquina, a resposta impressiona. É, sem dúvida, verdade que «não é possível
afirmar categoricamente se é ou não uma característica distintiva da condição
humana», mas uma coisa é certa: o livre‑arbítrio só pode ser uma característica
distintiva da condição humana, se existir. Mas não é óbvio que o livre‑arbítrio
existe? Não é óbvio que temos «a capacidade de tomar decisões e agir de forma
independente»? Não é óbvio que o leitor está a ler este texto porque quer e que
poderia ter escolhido não o ler? Não é óbvio que foi o leitor que escolheu (ou
vai escolher), ainda hoje, o que comer ao almoço? É isto o livre‑arbítrio:
escolher fazer uma coisa, mas poder ter escolhido fazer outra. Ter livre‑arbítrio
é, portanto, ter o poder de tomar decisões livremente. E estamos obviamente
convencidos de que temos este poder. Mas será que temos?
Há, pelo menos, três desafios ao
livre‑arbítrio (embora o ChatGPT só tenha identificado um): o teológico,
o lógico e o científico. Suponhamos que o Deus teísta existe. Ora, sendo Ele
omnisciente, sabe não só o que fizemos no passado, mas também o que faremos no
futuro. Mas, neste caso, como é possível dizer que algumas das nossas decisões
são livres? Afinal, se Deus já sabe, agora, o que vamos decidir fazer amanhã,
por exemplo, então não poderemos escolher não o fazer e, portanto, não temos
livre-arbítrio. Este é o desafio teológico. Vejamos o desafio lógico. Dada uma
proposição qualquer P, ou P é verdadeira ou P é falsa; P
e não-P não podem ser ambas verdadeiras. Imaginemos que P
representa a seguinte proposição: «O leitor vai ler a defacto amanhã à
tarde». Agora, atente no seguinte argumento (adaptado de Morris, 2000, pp.
123-124):
Ou o leitor vai ler a defacto amanhã à tarde, ou não vai.
Se o leitor vai ler a defacto amanhã à tarde, nada do
que fizer entre este momento e então o impedirá de ler a defacto.
Se o leitor não vai ler a defacto amanhã à tarde,
qualquer esforço que fizer entre agora e então para ler a defacto será
infrutífero.
Portanto, o leitor não possui agora duas opções igualmente
disponíveis de ler ou não ler a defacto amanhã à tarde.
Logo, o leitor não é realmente livre quanto a se vai ler ou
não a defacto amanhã à tarde.
Da aplicação deste raciocínio a
qualquer proposição no tempo futuro parece seguir-se que nunca somos livres a
respeito de nada no futuro. E, portanto, parece que não temos livre‑arbítrio.
O terceiro desafio ao livre-arbítrio
– e talvez o mais importante – é o desafio do determinismo causal: a ideia de
que todos os acontecimentos são efeitos de causas anteriores. Ora, as nossas decisões também são
acontecimentos. E se as nossas decisões também são acontecimentos, então também
são efeitos de causas anteriores. Mas se são efeitos de causas anteriores,
parece que não são livres. Mas de onde é que vem esta ideia do determinismo? Da
ciência. Pelo menos desde Newton (1642-1727), a Natureza é vista como um enorme
mecanismo, no qual os seres humanos não passam de meras peças que obedecem às
mesmas leis e causas que os outros corpos físicos. Assim, uma IA (ou outra,
como o demónio de Laplace (1749-1827)) suficientemente poderosa, que conhecesse
o estado do universo num determinado instante e as leis que o regem, seria
capaz de dar conta de todos os acontecimentos ou estados de coisas anteriores,
bem como de todos os acontecimentos ou estados de coisas futuros, e, portanto,
de cada uma das nossas decisões e ações.
Temos aqui, assim, um conflito
entre duas ideias que parecem incompatíveis: o determinismo e o livre-arbítrio.
Se o determinismo for verdadeiro, as nossas decisões dependem de causas
anteriores e estas, por sua vez, também dependem de causas anteriores, e assim
sucessivamente. Quer dizer que todas as
nossas decisões dependem de causas que são anteriores ao nosso nascimento. E,
se for assim, parece que não temos livre-arbítrio, pois a decisão de as
realizar não está sob o nosso controlo. Mas continua a parecer-nos óbvio que
algumas das nossas decisões, como, por exemplo, a de continuar (ou não) a ler
este texto agora, ou a de ler
(ou não) a defacto amanhã à tarde, ou a de (não) votar no Partido
Socialista [PS] nas próximas eleições legislativas, estão sob o nosso controlo,
e, portanto, dependem apenas da nossa vontade; e todos os dias experienciamos
ações deste tipo. Mas, neste caso, parece que o determinismo é falso. Assim,
parece não haver como conciliar estas duas ideias. É, pois, este o problema (da
compatibilidade) do livre‑arbítrio: será o livre-arbítrio compatível com o
determinismo?
Os deterministas radicais, que
«definem uma ação livre como um evento ligado às intenções da pessoa que não
tem causa» (Morris, 2000, p. 130) pensam que o livre-arbítrio e o determinismo
são incompatíveis, isto é, não podem coexistir, e que não existe livre-arbítrio,
pois o determinismo é verdadeiro. Parece-nos que temos livre-arbítrio, mas isso
não passa de uma ilusão. E de onde resulta essa ilusão? Do desconhecimento das
causas das nossas decisões. Assim, quando tomamos a decisão de fazer uma coisa,
dadas as causas anteriores, não poderíamos ter escolhido fazer outra. Não
existem, portanto, possibilidades alternativas de ação. Estou, agora, a
imaginar o leitor, que exerceu o seu direito de voto nas eleições legislativas
de 2015 ou 2019 ou 2022, a suspirar de alívio em relação a algo que o consumia
há uns meses: o leitor sentia-se responsável, ainda que em pequeno grau, pelo
estado em que se encontra a Educação (ou a Saúde, ou a Habitação) em Portugal,
pois votou no PS e o PS conduziu-nos a este estado de coisas. Mas, se os
deterministas radicais tiverem razão, o leitor não tinha realmente ao seu
dispor a alternativa de não votar no PS, e, portanto, não pode ser
responsabilizado pelo seu voto, porque a decisão de votar no PS não estava sob
o seu controlo (afinal, a sua decisão resultou de causas que são anteriores ao
seu nascimento). Aplique o mesmo raciocínio a todas as suas decisões e verá que
não poderá ser responsabilizado por nenhuma. Que alívio, não? Então aquela
culpa e os remorsos que sentia em relação a algumas das coisas que fez e que
pensa que não devia ter feito não têm razão de ser? Não, não têm. Afinal, se
for determinista radical, o leitor pensa que não poderia ter feito outra coisa
diferente do que fez. Portanto, não pode ser responsabilizado pelas suas ações,
não há razão para sentir culpa ou remorso nem para ser elogiado por algo que
tenha feito bem. Nem poderia estar de acordo com o Chefe de Estado, que «acredita
que os suspeitos de abusos sexuais na Igreja devem ser imediatamente suspensos»
(RTP, 2023) ou com Daniel Sampaio (que integrou a Comissão Independente para o
estudo de abusos na Igreja), que pensa que «a Igreja é responsável por milhares
de vítimas de abuso sexual» (RTP1, 2023). Mas pense outra vez. Parece-lhe que
os deterministas radicais têm razão? A mim, não. Continuo a pensar que sou
responsável por algumas das minhas decisões; e que os autores de abusos sexuais
são responsáveis pelo que fizeram e que, já agora, o ministro da Educação e o
primeiro-ministro são responsáveis pelo atual estado de coisas nas escolas
(também penso que, se o leitor votou no PS, tem alguma responsabilidade, mas,
acredite, eu não).
Os libertistas, que, tal como os
deterministas radicais, são incompatibilistas, também pensam que o livre‑arbítrio
e o determinismo são incompatíveis, mas acreditam que algumas das nossas ações
são livres. Rejeitam, portanto, o determinismo. A vantagem do libertismo é que está
de acordo com o que nos parece óbvio, ou seja, que temos livre-arbítrio. É isto
o que nos diz a nossa experiência: quando decidi não votar no PS em 2015 nem em
2019 nem em 2022, vários fatores entraram na minha decisão, mas a minha decisão
foi livre porque não foi um mero efeito desses fatores. E parece-me que, se o
tivesse querido, poderia ter votado no PS. Também me parece que o leitor
poderia não ter votado e que os membros da Igreja poderiam não ter cometido os
abusos sexuais. Portanto, o leitor deve ser responsabilizado pelo atual estado
de coisas no ensino e os membros da Igreja pelos abusos sexuais. Está, então,
resolvido: temos livre-arbítrio e podemos ser responsabilizados pelas nossas
ações. Estará? Bem, o libertismo também enfrenta algumas dificuldades. Os
libertistas «imaginam um ato livre como um evento envolvendo o corpo ou mente
de um ser humano, que corresponde às intenções daquela pessoa mas ocorre sem
uma causa» (Morris, 2000, p. 131). Mas,
Se as nossas ações não estão determinadas causalmente, como
surgirão supostamente? O que produzirá ao certo as nossas decisões? Podemos
imaginar que há, dentro de cada um de nós, uma espécie de “ser mental” cujas
decisões não estão constrangidas pelas leis causais – um controlador fantasmagórico
que faz escolhas independentemente daquilo que ocorre no cérebro. Mas isto não
é credível. Vai contra o que a ciência nos diz sobre o funcionamento das
coisas. Não há provas de qualquer tipo da existência de uma “energia mental”
que atue dentro de nós, desligada da operação do nosso sistema neurológico. E,
mesmo pondo de parte a ciência, esta especulação parece um conto de fadas.
No entanto, se não devemos supor que há dentro de nós uma
entidade mental desconectada a controlar as coisas, o que haveremos de pensar?
Que uma parte do cérebro opera à margem da rede causal do mundo? Isto parece
uma tolice, mas é difícil pensar em algo melhor. Parece que não dispomos de uma
perspetiva plausível que dê sentido à “liberdade” dos libertistas. (Rachels, 2009,
p. 191)
Afinal, não está resolvido. Para
os libertistas, as nossas escolhas livres não são determinadas nem são
aleatórias. Sendo assim, não se percebe o que as torna livres. Portanto, o
libertismo não é plausível.
Restam-nos os compatibilistas. Os
filósofos compatibilistas (alguns dos quais são conhecidos como deterministas
moderados) pensam que o livre‑arbítrio e o determinismo são compatíveis, isto
é, pensam que mesmo que todas as nossas ações sejam determinadas, algumas são
livres. Os compatibilistas redefinem o conceito de livre-arbítrio: uma ação
livre é aquela que «é causada pelas crenças e desejos da pessoa, desde que a
pessoa não tenha sido compelida a ter essas crenças e desejos» (Sider, 2010, p.
168). Assim, se o leitor continua a ler este texto porque o deseja, e não foi
compelido a ter este desejo, esta sua ação é livre, apesar de ser causalmente
determinada. Se o leitor, que votou no PS, quis votar no PS e não foi forçado a
isso, a sua ação foi livre, apesar de haver causas que o levaram a votar no PS.
Se os abusos sexuais cometidos pelos membros da Igreja resultaram das suas
crenças e desejos, e as suas crenças e desejos não foram compelidos, então as
ações dos membros da Igreja foram livres, apesar de terem sido determinadas por
causas anteriores, pois todas as ações têm causas anteriores. Assim, parece que
tanto o leitor como os membros da Igreja podem ser responsabilizados pelas suas
ações. O leitor está certamente a pensar que o compatibilismo é uma boa teoria,
até porque nos permite «ficar com o bolo e comê-lo ao mesmo tempo: podemos
manter simultaneamente a liberdade e o determinismo» (Sider, 2010, p. 161), as
duas ideias que, desde o início, nos pareciam verdadeiras, mas que julgávamos
incompatíveis. Não há, portanto, nenhum
conflito entre determinismo e livre-arbítrio. Mas como é isto possível? Com um
truque – o truque da redefinição do conceito de livre-arbítrio. O leitor
reparou? Os compatibilistas não definem ação livre como ação sem causas, mas
como não constrangida. A minha ação é livre se resultar das minhas crenças e
desejos e se for realizada sem coações internas ou externas. E, acrescentam os
compatibilistas, se eu tivesse desejado fazer outra coisa diferente, poderia
ter feito outra coisa diferente. Portanto, tenho possibilidades alternativas de
ação. Mas é aqui que está o truque, ou a «batota», com diz Veríssimo (2022): se
o determinismo é verdadeiro, eu não poderia ter desejado outra coisa diferente.
E, neste caso, também não existe genuína responsabilidade moral. Mas porquê?
Porque, «em última análise o nosso caráter e os nossos desejos são causados por
forças que não controlamos» (Rachels, 2009, p. 196). Assim, a resposta
compatibilista não resolve o problema do livre‑arbítrio: é uma «fuga» ao
problema (Searle, 2020, p. 285).
E agora, em que ficamos? É, ou
não, o livre-arbítrio compatível com o determinismo? E existe, ou não, livre‑arbítrio?
O leitor decida por si, mas eu prefiro pensar que temos livre-arbítrio, e que o
determinismo é falso. Parece-me que Peter van Inwagen – um filósofo libertista
– tem razão ao considerar que o livre‑arbítrio é um mistério que deve ser
aceite como tal, porque todas as alternativas são ainda mais misteriosas (citado
por Galvão, 2019). Segundo Inwagen (2013), temos mais certeza de que temos
livre-arbítrio do que da maioria das premissas dos argumentos que procuram
mostrar que não temos livre-arbítrio. Para este filósofo, negar o livre‑arbítrio
implica que «a moralidade deixaria de fazer sentido, quando lhe parece óbvio
que a moralidade faz todo o sentido – isto é, que temos deveres morais e que
por vezes somos moralmente responsáveis pelo que fazemos» (Galvão, 2019). Ou,
como diz Searle (2020, p. 282), «Quando estamos a tomar decisões, não
conseguimos agir senão sob o pressuposto de que genuinamente temos livre‑arbítrio»
e «Temos de viver sob o pressuposto de que a nossa tomada de decisão livre faz
algum tipo de diferença» (p. 284).
E, afinal, o livre arbítrio é, ou
não, uma característica distintiva da condição humana? Ainda que seja verdade
que «não é possível afirmar categoricamente se é ou não uma característica
distintiva da condição humana», penso que é uma das caraterísticas. Mas, mesmo
que o livre-arbítrio não exista, a sua ilusão é, certamente, uma das
características distintivas da condição humana.
Seja como for, mesmo que o livre-arbítrio seja uma ilusão,
será uma ilusão invencível. Quando deliberamos, quando ponderamos vários cursos
de ação alternativos que se nos apresentam como possíveis, não podemos deixar
de crer que estes são realmente possíveis e que temos o poder de escolher
qualquer um deles. Mesmo que no passado remoto já estivesse determinado que
escolheríamos bolo em vez de fruta, talvez também já estivesse determinado que,
antes da decisão, consideraríamos possível escolher fruta em vez de bolo.
(Galvão, 2019)
Estamos, pois, «condenados à
liberdade» e temos que assumir a responsabilidade completa pela nossa
existência (Sartre, 1978). Ou, como diz o Padre António Vieira: «Somos o que
fazemos. Nos dias em que fazemos, realmente existimos».
Referências bibliográficas
OpenAI (2023). ChatGPT. https://chat.openai.com/. Consultado em 05.02.2023. «O ChatGPT
é um modelo de linguagem desenvolvido pela OpenAI, baseado na
arquitetura GPT-3.5. Ele é capaz de realizar diversas tarefas de linguagem
natural, como responder perguntas, gerar texto, traduzir idiomas, entre outras.
O modelo foi treinado com uma grande quantidade de dados textuais para aprender
padrões e relações na linguagem, e usa essa aprendizagem para gerar respostas
precisas e úteis para as perguntas que lhe são feitas.» Esta é a resposta do ChatGPT
à pergunta «O que é o ChatGPT?». Embora o ChatGPT seja
apresentado, e ele próprio se apresente, como um «um modelo de inteligência
artificial», «projetado para imitar a inteligência humana na tarefa de
processamento de linguagem natural», não encontramos nele nenhuma reflexão,
nenhum pensamento, pelo que não podemos dizer que seja inteligente em qualquer sentido
relevante do termo. Agradeço ao Desidério Murcho pelo facto de me ter chamado a
atenção para isto.
Galvão, P. (2019). O enigma do livre-arbítrio. https://visao.sapo.pt/opiniao/2019-02-04-o-enigma-do-livre-arbitrio/. Consultado em 12/03/2023.
Inwagen, P. (2013). Vídeo «No Jardim da Filosofia - Peter van
Inwagen sobre o problema do livre-arbítrio (legendado)». Entrevista de Aires
Almeida a Peter van Inwagen. https://www.youtube.com/watch?v=YxGi0yilxF4. Consultado em 18/03/2023.
Morris, T. (2000). Filosofia para dummies. Rio de
Janeiro: Editora Campus.
Rachels, J. (2009). Problemas da Filosofia. Lisboa: Gradiva.
RTP
(2023). Entrevista RTP. Os sete anos de Marcelo Rebelo de Sousa na
Presidência da República. https://www.rtp.pt/noticias/pais/entrevista-rtp-os-sete-anos-de-marcelo-rebelo-de-sousa-na-presidencia-da-republica_e1472139. Consultado em 09/03/2023.
RTP1 (2023). Telejornal de 17/03/2023, 20:27.
Sartre,
J-P. (1978). O existencialismo é um humanismo (4.ª ed.). Lisboa:
Editorial Presença.
Scruton,
R. (2017). A natureza humana. Lisboa: Gradiva.
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Lisboa: Gradiva.
Sider, T. (2010). Livre-arbítrio e determinismo. In Eearl
Conee e Theodore Sider. Enigmas da existência – Uma visita guiada à
metafísica. Lisboa: Editorial Bizâncio.
Veríssimo, L. (2022). In podcast À Luz da Razão|Ep.
1329, jun. 2022 – Livre arbítrio – a ideia de uma vontade livre. Com o filósofo
Luís Veríssimo. https://www.rtp.pt/play/p396/e620443/especial. Consultado em 12/03/2023.
Originalmente publicado na revista defacto, n.º 31, maio 2023 (revista do Agrupamento de Escolas Alberto Sampaio).
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
Hume e a origem das ideias
As impressões constituem as experiências obtidas quando o indivíduo observa, sente, ama, odeia, deseja ou tem vontade de algo. Hume descreve este tipo de perceções como sendo mais "vívido" do que as ideias, termo com que o filósofo parece querer afirmar que as impressões são mais claras e mais pormenorizadas do que as ideias. As ideias, por sua vez, são cópias das impressões. Trata-se dos objetos do pensamento humano quando os indivíduos recordam a sua experiência ou exercitam a sua imaginação.
Assim sendo, neste preciso momento, por exemplo, tenho uma impressão da minha caneta a movimentar-se pela página e de ouvir alguém a virar as páginas de um livro, atrás de mim, na biblioteca. Tenho, ainda, uma impressão da textura do papel a tocar na minha mão. Estas experiências sensoriais são vívidas, visto que seria difícil convencer-me de que me encontro apenas a recordar experiências passadas ou a sonhar. Mais tarde, enquanto estiver a escrever estas linhas no meu computador, lembrar-me-ei, sem dúvida, deste momento e recordarei as minhas impressões. Nessa altura, estarei a ter ideias e não impressões, ideias que não serão marcadas pela mesma vividez (ou "vivacidade", para usar a terminologia de Hume) que caracteriza as impressões sensoriais que estou a sentir neste momento e das quais as ideias serão cópias.
Hume reformula a asserção de Locke de que não existem ideias inatas, sob a forma todas as ideias humanas são cópias de impressões. Por outras palavras, é impossível aos seres humanos ter uma ideia de algo que não tenha primeiro experimentado enquanto impressão.
Como lidaria, então, Hume com a capacidade de um indivíduo de imaginar uma montanha dourada embora nunca tenha visto uma e, logo, nunca tenha tido a impressão de uma? A resposta do filósofo baseia-se numa distinção entre ideias simples e complexas. As ideias simples derivam de impressões simples. Trata-se de ideias de coisas como a cor e a forma, ideias que não podem ser divididas em partes mais pequenas. As ideias complexas são combinações de ideias simples. Deste modo, aquela ideia de uma montanha dourada nada mais é do que uma ideia complexa composta pelas ideias mais simples de "montanha" e de "dourado". E estas ideias simples derivam, em última análise, da experiência tida pelo indivíduo de montanhas e de objetos dourados.
A comprovação da crença de que todas as ideias humanas derivam de impressões anteriores é constituída pela proposta de que qualquer destas ideias pode, por meio da reflexão, ser decomposta em partes que a enformam, que, como se poderá depois confirmar, resultam das impressões. Mais corroboração para esta explicação resulta da observação de que um homem completamente cego de nascença seria incapaz de imaginar a cor vermelha, uma vez que nunca tinha tido impressões visuais dessa cor. Similarmente, e de forma mais controversa, Hume declara que uma pessoa egoísta não seria capaz de formar uma ideia do sentimento de generosidade.
No entanto, embora Hume defenda que o seu aperfeiçoamento da teoria das ideias de Locke poderá explicar a origem de qualquer ideia em particular, o filósofo assinala a existência de uma exceção a este princípio, constituída pelo tom de azul desconhecido. Alguém que tenha observado um vasto leque de tons de azul, pode nunca ter tido a impressão de certo tom em particular. Não obstante, essa pessoa pode formar uma ideia deste tom de azul desconhecido. Segundo a teoria de Hume, tal seria impossível visto esse indivíduo não possuir qualquer impressão simples à qual pudesse corresponder a ideia dessa cor. Contudo, não se revela excessivamente preocupado com este aparente contraexemplo, uma vez que se trata de uma situação demasiado excecional para o levar a redefinir os seus princípios básicos em função dela.
Warburton, Nigel (2013). Grandes livros de filosofia. 2.ª ed. Lisboa: Edições 70, pp. 131-133.