
Existe, em geral, uma relação histórica entre pseudociência e ciência: aquela precedeu esta (a numerologia foi anterior à matemática, a astrologia anterior à astronomia, a alquimia anterior à química). Poderia, por isso, pensar-se que as pseudociências teriam sido substituídas pelas ciências e abandonadas, mas não é assim: as pseudociências coexistem hoje com as ciências, confundindo-se umas e outras aos olhos e nos cérebros de muita gente. Um paradoxo muito interessante das sociedades desenvolvidas (e cujo desenvolvimento deriva precisamente do cultivo das ciências e das tecnologias) é o facto de as pseudociências continuarem a ocupar um papel socialmente relevante.
Mas convém estar atento e descobrir as diferenças: assim como a definição de atividade científica — a busca do erro — não assenta nas várias atividades pseudocientíficas, também os traços característicos da ciência — a comunicação e a acumulação — não se encontram onde a ciência falta. A astrologia não é astronomia porque um astrólogo não se expõe à critica dos pares (onde é que já se viu um astrólogo corrigir outro?) e porque a astrologia de hoje é essencialmente a astrologia de há um século (pode até ser feita com computadores, mas a forma não rejuvenesce o conteúdo).
Usando estes critérios simples, não será difícil ao leitor distinguir entre o que é ciência e o que, não o sendo, quer passar por ela.
Portugal, um pais em desenvolvimento, está cada vez mais exposto a correntes pseudocientíficas. Qual é o remédio? Mais ciência, mais cultura científica. Os cientistas, os professores de ciências, os cidadãos cientificamente cultos têm o dever, mais do que o direito, de mostrar ao público o valor da ciência, o que ela já conseguiu para o enriquecimento humano e o mais que poderá ainda conseguir (e que excede em muito os resultados da tecnologia que nos têm garantido a sobrevivência física). A ciência é um ingrediente da cultura, da civilização neste planeta. Nas palavras autorizadas de Albert Einstein, escolhido pela revista Time como «homem do século»:
Comparada com a realidade, a nossa ciência pode parecer primitiva e infantil, mas é a coisa mais preciosa que temos.
Fiolhais, C. (2002). A coisa mais preciosa que temos. Lisboa: Gradiva, pp. 20-21.