quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
domingo, 2 de fevereiro de 2014
O que torna uma ação correta? – Como funcionam os exemplos filosóficos.
[O]s exemplos que os filósofos usam destinam-se a ajudar as
pessoas a pensar sobre o seu pensamento sobre
uma questão. Desta forma, tais exemplos podem ajudar as pessoas a clarificar as suas opiniões. Podem também ajudá-las a ver se as suas opiniões estão bem
apoiadas no seu raciocínio. E, se não estiverem, a desenvolverem esse apoio, ou
a revê-las. Para vermos como os exemplos dos filósofos podem ajudar as pessoas
a pensar mais claramente, veja-se este exemplo filosófico clássico:
Caso do
vagão 1: Você está a trabalhar numa mina de
carvão com uma galeria em forma de Y. A parte mais longa da galeria conduz à
superfície. Os dois braços do Y são as galerias de onde o carvão é retirado. O
carvão é retirado da mina por um vagão que é puxado por uma corrente.
Infelizmente, a corrente parte-se, e o vagão cai descontroladamente pela
galeria principal abaixo. Os pontos da junção dirigem de momento o vagão para a galeria direita, onde irá matar cinco mineiros que lá trabalham. No entanto,
você pode mudar o vagão para a galeria esquerda, onde só matará um mineiro.
(Todos os mineiros são igualmente amados pelas suas famílias, igualmente inteligentes, etc.) Moralmente, o que deveria você fazer?
Quando confrontadas com este exemplo, a maioria das pessoas
diria que mudaria o vagão, com a justificação de que assim causariam menor
sofrimento. Em resposta a isto, um filósofo poderia então fornecer o exemplo
seguinte:
Caso do
vagão 2: Você trabalha numa mina com uma única galeria que desce. Os vagões sobem e descem por esta galeria, tirando carvão
da mina. A corrente que puxa um vagão parte-se, e ele cai descontrolado em direção
a cinco mineiros que trabalham no fundo da galeria. Você está junto aos carris
do vagão. Você é demasiado pequeno para o parar saltando para a frente dele,
mas um colega seu que está junto de si é bastante grande, e se você o empurrar
para a frente do vagão, impedi-lo-á de matar os cinco mineiros. Infelizmente,
ao fazer isto, o seu colega morrerá. Moralmente, o que deverá você fazer?
Neste caso, a maioria das pessoas recusaria lançar outra
pessoa para a frente do vagão para salvar os cinco mineiros. Mas, à primeira
vista, a decisão de não lançar o colega para a frente do vagão parece estranha,
dado que no Caso 1 a maioria das pessoas diria que se deveria sacrificar uma
pessoa para salvar cinco. Afinal, parece que a única diferença entre o Caso 1 e
o Caso 2 é que no primeiro caso estar-se-ia a atirar um vagão contra uma
pessoa para salvar cinco mineiros, e no segundo, a atirar uma pessoa contra um
vagão para salvar cinco mineiros. E não parece que o que for atirado para
salvar cinco mineiros faça muita diferença moral, dado que em ambos os casos a
ação escolhida salvaria cinco pessoas sacrificando uma.
O leitor poderá dizer que nunca será confrontado com a decisão de sacrificar uma pessoa para salvar cinco e, portanto, em vez de ser útil para
defender os filósofos da acusação de que os seus exemplos não são práticos nem
relevantes, o debate aqui referido apenas a confirma. Mas argumentar desta forma
seria perder de vista o objetivo dos dois Casos do Vagão, que é o de ajudar as
pessoas a clarificar o seu pensamento acerca do que torna as ações moralmente
corretas. Na verdade, o leitor tem tantas probabilidades de encontrar um vagão
descontrolado por uma mina abaixo como de ser atingido na cabeça por uma
galinha de borracha atirada por um cavaleiro de passagem. Mas isto não impede
que o facto de usar estes exemplos possa ajudar o leitor a avaliar se as suas
opiniões originais sobre o que torna uma ação correta estão certas ou não. […]
[O] seu pensamento acerca dos Casos do Vagão levá-lo-á a pensar acerca do seu
próprio pensamento sobre o que torna correta uma ação.
Por exemplo: se começou por pensar que um ato é correto se
minimizar o sofrimento (uma versão da teoria ética conhecida por «utilitarismo»),
poderá ter de rever a sua opinião quando confrontado com o caso 2. Poderá ter
de abandonar também esta opinião e tentar encontrar outro princípio para
determinar o que torna correta uma ação, ou então poderá decidir tentar rever a
sua opinião original para poder albergar a sua intuição de que não se deve
empurrar pessoas para a frente de vagões, mesmo que ao fazê-lo vá salvar mais
vidas. No segundo caso, poderá acabar por adotar uma versão de «utilitarismo de
regra», segundo o qual um ato é correto se for conforme a uma regra geral que,
quando seguida, minimizará o sofrimento. Assim, dado que a regra «não empurrar
pessoas para a frente de vagões» é passível de minimizar o sofrimento, o leitor
poderia modificar a sua posição utilitária original a fim de albergar o segundo
caso. […] [O]s filósofos, ao construírem os seus exemplos, encorajam as
pessoas tanto a pensar numa determinada questão (tal como «O que torna uma ação
correta?») como a serem a assistência do seu próprio pensamento, e a pensar
acerca do seu pensamento sobre esta questão.
Taylor, James (2008).
Porque é que um filósofo é como um Python? Como funcionam os exemplos
filosóficos. In Gary Hardcastle e George Reich (Orgs.). A Filosofia segundo Monty Python. Cruz Quebrada: Estrela Polar, pp.
218-220.
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